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Ago 12
Última atualização em 24 Agosto 2012

A Função Social da Propriedade

 

Partindo de uma posição intermediaria entre o absolutismo liberal e a sua negativa, a função social surgiu no final do séc. XIX.

Na verdade, “O principio da função social da propriedade tem nebulosa sua origem.” (Grau, 1981, p.113), veio primeiramente na doutrina social da Igreja Católica, ao lado das limitações tradicionais, mas com elas não se confundindo.

A inspiração mais próxima do principio é a doutrina social da Igreja, tal como exposta nas Encíclicas Mater et Magistra, do Papa João XXII, de 1961, e Populorum Progressivo, do Papa João Paulo II, nas quais se associa a propriedade a uma função social, ou seja a função de servir de instrumento para a criação de bem necessários a subsistência de toda a humanidade (Di Petro, 1991 p. 98).

Há que se atentar, qualquer que se trate o instituto jurídico, e não só o regime de propriedade, pode se adaptar a noção geral da função social, ou seja, possui uma finalidade em razão da qual existe.

Essa condição, que determina o uso do bem em favor de todas as pessoas e não apenas do titular, opera em relação a todas as formas de propriedade: mobiliaria ou imobiliária, urbana ou rural. No entanto, é na seara da propriedade agrária que a função social ganha mais ênfase, posto que as terras são, por natureza, o mais importante bem de produção, fornecem o alimento aos animais do planeta, de todas as espécies, inclusive ao Homem.

A forma de utilização das terras pode levar a alimentação e a saúde a todos ou deixar que se extingam as espécies pela fome.

Eros Roberto Grau afirma que a idéia de função social dá à propriedade um “conteúdo especifico, de sorte a moldar-lhe um novo conceito.” (1997 p. 249) Defende ainda o autor, a propriedade dotada de função social justifica-se pelos seus fins, seus serviços e sua função, a função é a base da legitimação.

A função social da propriedade na Constituição Brasileira de 1988.

Embora já aparecesse nas duas constituições brasileiras, anteriores a de 1988, o termo função social, ele não atenderia com precisão à necessidade.

As Constituições anteriores não traziam expressos os requisitos necessários ao atendimento da função social da propriedade urbana. A Carta de 1.989 traz no conteúdo do artigo 182, § 2°, relacionando a função social deste tipo de propriedade com as exigências fundamentais de ordenação da cidade, expressas no plano diretor:

Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo poder publico municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o plano desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

§1° O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.

§2° A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende as exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.”

Existem sansões para quem não cumpre as exigências estabelecidas em lei, chegando à perda da propriedade em virtude da usucapião especial, inserido no texto constitucional através do art. 183.

Art. 183 Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

Evidencia-se, assim como é certo alguém ter a propriedade da forma que já esta previsto pela lei. Uma vez que os bens materiais são finitos, não é justo que fiquem em mãos que não fazem deles uso, ou não querem produzir. A imposição de comportamentos positivos é característica da função social.

Atenta-se, assim, o proprietário do imóvel urbano está sempre na obrigação de fazer, de zelar, para que o seu direito de propriedade cumpra a função social que lhe é destinada, consubstanciada de acordo com o plano diretor.

O que mais releva enfatizar, entretanto, é o fato de que o principio da função social da propriedade impõe ao proprietário, ou a quem detém o poder de controle, na empresa, o dever de exercê-lo em beneficio de outrem, e não, apenas, de não o exercer em prejuízo de outrem. Isso significa que a função social da propriedade, atua como fonte de imposição de comportamentos positivos prestações de fazer, portanto, e não, puramente, de não fazer, ao detentor do poder que deflui da propriedade. (Grau, 11997, p. 255)

Nesse aspecto as obrigações que recaem sobre o proprietário de imóvel urbano contribuem para que a cidade como um todo seja beneficiada, com imóveis melhor cuidados, uma visão mais agradável, a limpeza objetivando melhor saúde e outros.

A função social da propriedade rural.

A propriedade e utilização das terras agricultáveis possui extrema importância, elas constituem um bem através dos quais são produzidas os gêneros indispensáveis á vida humana. No caso do proprietário que promove o seu desvirtuamento, utilizando-se da terra de forma especulativa, sem preocupação com produção agrícola ou pastoril, considera-se que ele esteja afrontando a sociedade, pois as necessidades das pessoas não poderão ser integralmente satisfeitas.

Para cumprir corretamente sua função social, a propriedade rural deve atender, de forma simultânea, aos requisitos do art. 186:

Art. 186 - A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei aos seguintes requisitos:

I Aproveitamento racional e adequado;

II Utilização adequada dos recursos naturais disponíveis que regulam as relações de trabalho;

III Observância das disposições que regulam as relações de trabalho;

IV Exploração que favoreça o bem estar dos proprietários e dos trabalhadores.

Esses requisitos, tal como os impostos as propriedades urbanas também denotam imposições positivas.

Há que se ter um aproveitamento racional da terra, dele depende que os recursos cheguem a todos. Devem ser respeitados as condições naturais, fazendo a preservação de áreas para oxigenação, abrigo de espécies, respeitando as nascentes de água, evitando desperdício de toda e qualquer produção da terra, tendo os cuidados de não poluir, enfim utilizar a terra com respeito, de forma que as gerações futuras tenham condições habitáveis no planeta.

O pleno respeito ao meio ambiente é colocado como elemento necessário ao cumprimento da função social da propriedade agrícola pelo inciso II do art. 186 da CF/88.

Quanto à preservação ambiental, ela não se limita ao interesse do homem atual, encontra-se no âmbito geral do interesse humano, presente e futuro. As decisões tomadas hoje terão influência nas condições de vida das gerações futuras.

Acertada a inclusão de normas protetoras do meio ambiente na função social da propriedade, tem-se a consciência, o conhecimento, a informação de que a violação ambiental não atinge só os direitos das pessoas que vivem no momento, mas dos descendentes, que virão perpetuar a espécie humana.

Alerta-se, o elemento social, referido pelos incisos III e IV do art. 186 da CF/88, também deve ser observado pelo proprietário.

“Assim, é necessário que as regras inerentes a relação de emprego sejam observadas, e também é mister que a exploração da terra atenda aos interesses dos trabalhadores, de forma a favorecer ao seu bem-estar.” Art. 170 CF/88

Há que se atentar, o desatendimento aos requisitos do adequado cumprimento da função social autoriza o Estado a retirar compulsoriamente a propriedade rural das mãos do cidadão, através da desapropriação.

Art. 184 - Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante previa e justa indenização em títulos da divida agrária, com clausula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até 20 anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.

Observa-se, não podem ser desapropriadas, a pequena propriedade rural, nem aquela, de qualquer tamanho, que seja produtiva (art. 185, CF/88).

A questão primeira é produzir, usar tanto para si, como para a família e a sociedade independente do tamanho da área possuída.

A usucapião e a função social.

Tratar a usucapião é uma forma interessante e útil nos dias de hoje, embora ela tenha raízes antigas, torna-se cada vez mais necessária.

Entende-se aqui sua grande valia uma vez ser de real sentido a legalização de posse de áreas já trabalhadas, dando segurança ao que nela tem depositado sua força de trabalho, produzido para proveito próprio e da sociedade.

Usucapião pode acontecer na área urbana e na área rural, no entanto, o proprietário de terras, de imóveis não há que temer usucapião, pois ela só acontece quando o bem está em estado de abandono, demonstrando o desinteresse do dono. Nenhuma área por maior ou menor que seja pode ser ocupada por terceiros, se ali o proprietário esteja trabalhando e se área estiver servindo a ele ou a quem ele tenha delegado direito.

Outro fator a ser observado é o tempo, não se perde um bem por ter dele se afastado por motivos próprios, mas deixando claro o interesse de proprietário.

Os fatos sociais geram o direito. Vive-se solo os efeitos da lei da evolução e do progresso.

Há que se focar a usucapião como resultado da dinâmica da natureza humana e no sentido de criatividade, busca do seu bem estar e satisfação de suas necessidades.

Observa-se o direito é dinâmico, acompanha o homem e sua constante evolução, suas descobertas e a mudança de suas prioridades.

A contribuição da usucapião é inegável, pois não tira o direito do proprietário, é uma forma de fazer com que as propriedades sejam produtivas em favor do proprietário e da sociedade. Além disso a usucapião serve de suporte para observar a forma como a propriedade esta sendo usada, se há respeito com os trabalhadores e seus direitos e se estão trabalhando de forma a respeitar o meio ambiente, cuidando da qualidade de vida de hoje e das gerações futuras, ou seja, cumprindo assim com a função social da propriedade.

 

(Marco Antônio Pinto Ataide)

Trecho retirado do TCC apresentado pelo autor a Universidade Cândido Mendes (ATAME Pós-Graduação) no Curso de Pós Graduação Latu Sensu em Direito Civil e Processual Civil no Trabalho intitulado "A USUCAPIÃO COMO INSTRUMENTO DE ALCANCE DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE".